ou o que pode ser um espectro...
«Assim na cidade tudo o que aconteceu naquela calçada, naquela praça, naquela rua, naqueles alicerces, naquela rua de lojas, de repente condensa-se e cristaliza numa figura, ao mesmo tempo lábil e exigente, muda e amistosa, intensa e distante. Essa figura é o espectro ou o génio do lugar.
(...) A espectralidade é uma forma de vida. Uma vida póstuma ou complementar, que começa apenas quando tudo acabou e que tem, por isso, perante a vida, a graça e a astúcia incomparável do que se consumou, a elegância e a precisão de quem mais nada tem diante de si. Foram seres deste tipo (nas suas histórias de fantasmas, comparava-os a sílfides e a elfos) que Henry James aprendeu a conhecer em Veneza, tão discretos e evasivos, que são sempre os vivos a invadir as suas moradas e a forçar-lhes a reticência.
(...) aquilo que o espectro com a sua voz branca argumenta é que, se todas as cidades e línguas da Europa sobrevivem doravante como fantasmas, só a quem tiver sabido fazer-se seu companheiro íntimo e familiar, ressoletrar e manter no espírito as suas palavras e pedras descarnadas, poderá talvez um dia reabrir-se essa passagem, na qual bruscamente a história - a vida - cumpre as suas promessas.»
Imagem: Max Ernst, Winter visitors on La Grande Jatte
Giorgio Agamben, Da Utilidade e dos Inconvenientes do Viver entre Espectros in Nudez
Imagem: Max Ernst, Winter visitors on La Grande Jatte
4 comentários:
Olá Ana Paula,
Muito inteligente este texto e não é fácil a sua descodificação! Compreendo a primeira parte, fico confusa com a segunda!?...
Beijinhos,
Manuela
Manuela, olá :)
Agradeço muito a sua atenção ao texto.
Hipótese de esclarecimento:
Na parte final, o que o autor assinala é qualquer coisa como a necessidade de "entrarmos" na verdadeira história dos lugares, das cidades. Por ex., aprofunda (no livro) o caso de Veneza. Na verdade, é uma certa crítica ao marketing de turismo, que converte vezes demais os lugares repletos de história, e de espectros (o que do passado, neles continua vivo), em espaços e tempos de mero consumo.
Resumindo, é preciso "entrar" no "espírito dos lugares" com história.
Beijinhos!
Obrigada Ana Paula, confesso que fiz hipóteses de leituras muito mais complicadas, a nível existencial e a nível político!...
Concordo com essa perspectiva de «entrar» no «espírito dos lugares».
Beijinhos,
Manuela
Eu é que agradeço, Manuela.
Bom, a bem dizer, o que é que não é político?!
:))
Mais beijinhos!
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