segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Arthur & George

Encontrei aqui e vale a pena ler.



“ARTHUR & GEORGE”
Julian Barnes é inglês, escritor, admirador de Gustave Flaubert, que já foi tema de um romance seu, “O Papagaio de Flaubert”. “Arthur & George”, seu mais recente livro, volta a centrar a acção num escritor, Arthur Conan Doyle (1859-1930), criador da personagem do detective Sherlock Holmes, cujas histórias policiais de pura dedução, ambientadas numa Inglaterra vitoriana, entusiasmaram gerações. Mas Julian Barnes não pegou na personagem de ficção, mas sim no escritor com existência física para dele nos falar em “Arthur & George”: Arthur é, pois, o célebre Conan Doyle, George é um tal pouco falado George Edalji, inglês de ascendência pársi (indiano de estirpe aristocrata) que, no início do século XX, se viu injustamente condenado pelo crime de esventrar um cavalo na aldeia de Great Wyrley.
O romance de Julian Barnes inicia-se de forma fulgurante com uma montagem em paralelos de curtos capítulos desenhando rapidamente a meninice de dois jovens que se conhecem apenas pelos nomes de Arthur e George. Ambos são contemporâneos, mas cresceram em mundos diferentes, a muitos quilómetros de distância um do outro. Na página 60, descobre-se enfim que Arthur escrevia histórias sobre Sherlock Holmes e que o seu nome completo é Arthur Conan Doyle. Expoêm-se a partir daí também as desventuras de George, oriundo de uma família constituída por um austero pastor anglicano, indiano, e uma devota mãe escocesa, e ainda uma impulsiva irmã mais nova.
Rodeados estão por desconfiados e pérfidos vizinhos que não aceitavam o facto de terem como companhia “indianos”. George bem afirma que é inglês, mas os enxovalhos prosseguem, até que um dia, sendo já advogado e solicitador em Birmingham, e na sequência de vários acontecimentos sangrentos e reais que são ainda hoje conhecidos como “Os Ultrajes de Great Wyrley”, foi parar à cadeia, julgado, e condenado a sete anos atrás das grades. A acusação era de que esventrava cavalos pelos campos de Great Wyrley, em noites de tempestade e ventania.
O trabalho de Barnes é um romance de fundo histórico, uma cuidada reconstituição ficcional que joga com elementos minuciosamente recuperados e mostra como, a partir de certa altura, Arthur Conan Doyle, então no apogeu da sua glória literária, e entre a morte da sua mulher Touie, e o possível casamento com Jean, a quem amou secretamente durante anos, no mais puro platonismo, se envolveu no caso e lutou por inocentar George, levando a justiça britânica a mudar leis e restaurar, não só a liberdade do condenado, como sobretudo a reputação daquele pársi que nunca deixou de reclamar da sua origem inglesa e nunca acreditou inteiramente que tudo o que lhe estava a acontecer era devido a preconceitos raciais. O livro é uma belíssima e envolvente descrição da sociedade inglesa da época, erguendo duas figuras bem desenhadas com largueza e eficácia, entrelaçadas num erro judiciário que as irá reunir, quando nada o fazia prever.
Excelente de início, um pouco menos conseguido mais para o fim, mas nunca desinteressante, “Arthur & George” mostra-nos a qualidade de escrita de um dos mais reputados autores ingleses contemporâneos, que se coloca ao lado de um Ian McEwan ou de um Martin Amis. Barnes, agora com 61 anos, esboça um retrato de Conan Doyle que não esquece os problemas familiares, o gosto pelo críquete, a mundaneidade e o interesse espírita, sugerindo a dependência da droga e outras características bem conhecidas. Por seu turno George é ainda mais sugestivo, talvez por ser desconhecido do grande público. Introvertido, solitário, bom filho e estudante cumpridor, míope, o jovem advogado manteve até ao fim uma inabalável fé na infalibilidade da lei e da justiça inglesas. Mesmo preso nunca recuou nas suas convicções. O seu caso tornar-se-ia um exemplo, dado que em função do erro cometido as instituições jurídicas inglesas se viram obrigadas a alterar o processamento normal, criando tribunais de apelação para prevenir que outros casos deste tipo pudessem voltassem a aparecer em tribunais do país.
“Arthur & George” foi finalista do Booker Prize 2005 e do International IMPAC Dublin Literary Award 2007.



Principais obras: Metroland (1980, romance), Fiddle City (1981, romance, pseudo. Dan Kavanaugh), Before She Met Me (1982, romance), Flaubert's Parrot (1984, romance), Putting the Boot In (1985, romance, pseudo. Dan Kavanaugh), Staring at the Sun (1986, romance), A History of the World in 10 1/2 Chapters (1989, romance), Duffy (1980, romance, pseudo. Dan Kavanaugh), Going to the Dogs (1987, romance, pseudo. Dan Kavanaugh), Talking it Over (1991, romance), The Porcupine (1992, romance), Letters from London (1995, ensaio), Cross Channel (1996, contos), England, England (1998, romance), Love, Etc. (2000, romance), Something to Declare (2002, ensaios), The Pedant in the Kitchen (2003, gastronomia), The Lemon Table (2004, contos) e Arthur & George (2005, romance).

Nota: O autor do texto aqui publicado é o Lauro António