quinta-feira, 22 de novembro de 2012

cartas


Pode por vezes ter-nos acontecido escrevermos a nós próprios. E não me refiro a ficções, tantas vezes sublimes, levadas a cabo por certos escritores do passado: falo de cartas a sério, com selo e carimbo postal. Por vezes até nos aconteceu escrever aos mortos. Não acontece todos os dias, admito, mas pode acontecer. Como também pode suceder os mortos responderem-nos, de uma qualquer maneira que só eles conhecem. Mas aquilo que mais inquieta, e que mina como teimosia de caruncho em mesa velha e não é possível silenciar a não ser como um veneno que nos envenenaria também a nós, é a carta que nunca chegámos a escrever. «Aquela carta». A carta que todos nós pensámos escrever, em certas noites de insónia, e que sempre deixámos para o dia seguinte.
Antonio Tabucchi, Está a fazer-se cada vez mais tarde

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