sábado, 11 de agosto de 2007

Irene Adler



Embora pouco focada pelo seu autor, Sherlock Holmes tinha uma vida do tipo que designamos por "amorosa". Se é que esta designação se pode aplicar propriamente ao seu perfil. Uma "paixão" bem guardada e vivida no passado, mas nunca esquecida. Por vezes, ele abria a gaveta da sua secretária e dela retirava a fotografia de Irene Adler, a mulher mais bela que conheceu. Para Holmes, ela foi sempre «a» mulher.



"Para Sherlock Holmes, ela é sempre a mulher. Raramente o ouvi referir-se-lhe de qualquer outra forma. Aos olhos dele, ela eclipsa e prevalece sobre todas as representantes do seu sexo. Não que ele sentisse por Irene Adler qualquer emoção análoga ao amor. Todas as emoções, e essa em particular, eram detestáveis para o seu espírito frio, preciso, mas admiravelmente equilibrado. Ele era, julgo eu, a máquina mais perfeita de raciocínio e observação que alguma vez existiu no mundo; enquanto amante, porém, ter-se-ia colocado numa posição embaraçosa. Nunca falava das paixões mais doces senão num tom de sarcasmo, com um sorriso de escárnio no rosto. Tais arroubos eram coisas admiráveis para o observador - excelentes para levantar o véu que encobre os motivos e as acções humanas. Porém, para alguém habituado a raciocinar com método, permitir tais intromissões no seu temperamento delicado, em que nada é deixado ao acaso, seria introduzir um factor de distracção que poderia lançar dúvidas sobre todos os resultados das suas deduções. A poeira num instrumento sensível ou uma racha numa das potentes lupas de que ele se servia não seriam percalços mais incómodos do que uma emoção forte numa natureza como a de Sherlock Holmes. E para ele, no entanto, só havia uma mulher, e essa mulher era a falecida Irene Adler, de duvidosa e equívoca memória."
Arthur Conan Doyle, "Um escândalo na Boémia"

Holmes é-nos mostrado como uma espécie de "máquina de calcular humana". Uma máquina com a particularidade de possuir e ser capaz de accionar um sistema do tipo "espírito inventivo". O que o tornava uma "máquina" muito especial. Única e brilhante. Com luz própria, de facto.

As emoções, para Sherlock Holmes, constituiam elemento perturbador da sua actividade excepcional de "mente que brilha". No entanto, Conan Doyle mostra-nos que ele era um verdadeiro ser humano, não isento de sentimentos e de emoções. Apenas não as mostrava, guardando-as em lugar seguro, de modo a poder manter a imperturbabilidade necessária para resolver os mistérios e enigmas em que se envolvia. Só assim poderia manter as suas capacidades extraordinárias em acção.

É deste modo que Doyle o revela, como profundamente humano e, enquanto tal, contraditório. Sensível e racional, um ser complexo traçado com o génio e o talento do seu criador. E assim surge a imagem feminina de Irene Adler, mais um elemento a ter em conta para elaborar a teia complexa do perfil psicológico de Sherlock Holmes.

(Imagens: ilustrações de Phil Cornell e de Tom Johnson )